quinta-feira, 4 de março de 2010
Dos versos meus, tão seus
Era domingo. As gotas de chuva caíam bravamente pelas janelas, arrastando-se mais devagar para suas extremidades.
O desespero tomava-me por completa, enquanto me afundava nos papéis para entregar no dia seguinte, para um trabalho anual. E já eram seis da tarde.
Coloquei Gonzaguinha para tocar na minha vitrola, e me assentei sobre a almofada jogada no chão da sala. Enquanto escutava a batida da música, ao meu ouvido Gonzaguinha me recordava de um certo tipo de amor perdido, "espere por mim, morena, espere que eu chego já, o amor por você morena, faz a saudade me apressar. Tire um sono na rede, deixa a porta encostada, que o vento da madrugada, já me leva pra você...". Me levantei em direção ao quarto, cantando sozinha. Me agasalhei e saí. Qualquer lugar era melhor do que ficar em casa, naquele momento. Não gostava das recordações, parecia que, em algum momento, ou em todos os momentos, o cheiro dele ainda estava impregnado em um dos meus melhores livros, ou até mesmo ao lado esquerdo da minha cama, onde ele costumava dormir.
Bati a porta. A rua parecia calma. Ao contrário de mim. Por fora, intacta. Por dentro, aos cacos. Entrei em uma das inúmeras cafeterias e pedi um mocha, grande, com pouco açúcar. Temos que cuidar da saúde, pensei. Sentei-me ao lado da janela, na qual dava para um parque. Parque deserto. Café deserto. Rua deserta. Eu, deserta.
Minhas mãos agitaram-se pela demora do meu pedido e, em um gesto aleatório, levei-as ao outro lado da mesa em que estava sentada, tocando devagar a ausência inexistente naquela parte, sem ninguém. Me ajustei. Ora, convenhamos, quem nunca perdeu um amor? Seja lá o que perdemos, se for realmente nosso, volta. Sempre volta. Tu sabes. Ou não.
A porta da cafeteria mexeu-se, entrando um rapaz alto, digo, mais alto que eu. Tinha um olhar distante, poderia jurar que o conhecia de algum lugar. Sentou-se na mesa ao lado e, nas mãos, trazia um livro. Fiquei curiosa. Eu o conhecia, tinha certeza disso. Aquele seu sorriso tão indeciso me matava por dentro. Levantei-me e, decidi: vou até ele. Passei uma das minhas mãos pelas suas costas, me movimentando rápido para sua frente, arrastei a cadeira e sentei-me. Pude notar que seus olhos me fitavam com medo, espanto e, uma dor. Fiquei calada. Ficamos calados. Calados um tempo enorme, decorando cada detalhe um do rosto do outro, procurando algo que, ali pudesse explicar tantas palavras perdidas ao longo dos anos. Minha boca movimentou-se - Quanto tempo dormindo do mesmo jeito desde do dia em que fostes por aquela porta... e, com um sorriso no canto de seus lábios me respondeu, pegando em minha mão levemente - Desde daquele dia, meu maior desejo todas as manhãs, foi de voltar a acordar e te ver sorrindo para mim.
Silêncio. Meu café esfriou. A cafeteria esvaziou. E, de repente, a moça do caixa toca em mim, dizendo: - Senhora? Estamos fechando, gostaríamos de saber se queres mais algo. Foi quando me despertei. E assustada olhei para a minha frente, na vã tentativa de achar de volta aquele sorriso que derretia cada pedaço do meu coração. Não estava lá. Não está lá. Nunca esteve lá. Nunca estará lá.
Ele existe apenas dentro de mim. De mais ninguém. Mas uma coisa eu estava convicta: seu sorriso era o mais bonito e o mais iluminado, de todos os que eu já tinha visto.
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