sábado, 22 de janeiro de 2011

Ao Sr. Rocha

As pessoas problemáticas ou até mesmo simples, são as que prestam atenção em você. Digo isso pois passei por essa experiência e fiquei contente no acontecido. Estava cabisbaixa, como sempre nas minhas caminhadas onde encontra-se apenas eu e Deus, sentei-me em um desses banquinhos sujos de copacabana, onde os idosos trazem seus cachorros para fazer suas necessidades rotineiras ou apenas para jogar conversa fora. Fiquei sentada de frente àquela selva de pedra durante uns longos minutos e, pude notar diversas pessoas passando a minha frente, muito agitadas, correndo sempre, com pressa de viver, de chegar, de partir, de encontrar que acaba tendo que se desencontrar. Pessoas indo e vindo, com sua agenda como sempre muito lotada, muito cheia, sem tempo de prestar atenção em nada além da sua própria vida pessoal. - São comuns. Quem não é assim hoje em dia? Eu sou assim. Você também é assim. A sociedade nos fez ter pressa, perder tempo nos tempos de hoje, é suicídio. Mas essa minha situação me fez pensar nessa correria imposta pelos parâmetros sociais. Aonde chegaremos com tanta pressa? Muitos temos o que fazer, seja em casa, no trabalho, na família, com o cachorro, no jardim e por aí vai... mas quando iremos prestar atenção nas pessoas que nos cercam?
Foi o que me aconteceu. Nesse dia em que estava sentada, estava em conflitos internos. Meu rosto denunciava a tamanha angustia que sentia por tudo. Pelo que perdeu-se com o passar do tempo com a correria cotidiana, com as pessoas dispersas, com os carros, com os restaurantes, agências de turismo, com o ciclo social, com a família, tudo estava no lugar errado. Tinha nada certo. Nada. Não era aquilo que eu queria, não era aquilo que eu estava vivendo. Não era eu. Não eram eles. Nada daquilo era aquilo mesmo embora era o que parecesse. Como se eu visse tudo de fora, como platéia da minha própria vida.
Meio a pensamentos congestionados, tráfico interditado, engarrafamentos e etc, veio-me um senhorzinho. Um moço muito do aspecto "mais um louco de copacabana", estava sozinho. Levantou-se e logo me viu. Senti isso pois estava com os olhos fixos ao horizonte de algo, não olhava para os lados. Nada me interessava. Estava tão presa na minha própria dor, no meu eu, no meu egoísmo incubado, que demorou para eu o notar. E ele estava ali, atento as minhas expressões faciais, enquanto escutava meus soluços, e sua expressão mudara no momento em que decidiu vir falar comigo. De primeira, fiquei desconfiada. Maldita sociedade corrupta que para nós, qualquer pessoa que vem falar sem conhecer ou é louca ou está de flerte.
Mas ele não deve ser conhecedor desses pensamentos ou se for, não importa-se. Parou na minha frente e como quem tenta decifrar algum enigma, fitou-me com seus cansados olhos tentando achegar-se intimidado, com meus olhos que não desviavam do fixo horizonte que nem tinha. - Não chora não, menina. Eu estou aqui para te dar um apoio na sua força interior, eu sei como você está se sentindo. Mas vim te dizer que você é forte e vai conseguir vencer essa ponte negativa.
E enquanto ele falava, fiquei espantada pois ele nunca tinha me visto antes e o que fez parar ali e me dizer tudo aquilo? "Esse daí é maluco." Pensei. Mas logo fiquei surpresa em saber que ainda existem pessoas que se comovem com a dor das outras. E porque logo comigo? Ele não tinha porque parar ali, poderia estar com pressa. Morava longe, um senhor de idade que sorria mesmo sem um dente na boca. Via pelos seus olhos cansados sua vida inteira de sofrimento mas com dignidade e ainda assim não perdia o gosto pela vida, ou até mesmo de ajudar as pessoas. E ele estava me ajudando. Do jeito dele, mas um jeito que nenhum outro tinha. Entre nós, ainda passava-se as pessoas com seus passos largos, correndo contra o tempo, afinal, era ultimo dia do ano. Justamente por ser ultimo dia do ano, me espantei mais ainda com a atenção não merecedora que tive desse senhor. Eu, uma menina de dezesseis anos, com pouca experiência de vida, lamentando-me por problemas mínimos diante de seus setenta e poucos anos de vida. Com sua pequena bolsa nas mãos, sentou-se ao meu lado fazendo-me companhia com o olhar perdido. E me fazia rir contando da sua história de vida e quando me vi, estava tão compenetrada no que ele me dissera, que meu problema, minhas dores e minhas angustias tinham sido submersas pelas suas histórias, sempre muito aventureiro e com sua risada baixa.
O que me encantou foi, esse cara, a calma dele ao lidar com a dor alheia, com as emoções alheias e sua atenção na vida. Um cara que dentre tantos outros, parou porque a pressa é menos importante do que os sentimentos. Talvez seja de caras assim que o mundo mais precise. Ou talvez seja até o mundo mesmo que necessite de demasiada atenção. Mas as pessoas estão sempre muito ocupadas, muito perturbadas, muito estressadas, muito voltadas para si mesmo.
É primeiro lugar você, segundo você e terceiro você. O que sobrar pode servir para os outros.
Eu mesma reclamei quando parecia que ninguém via o que eu sentia, porém percebi logo que eu não exergava as pessoas também. Estava presa a minha dor-própria. Foi com o Seu Rocha que aprendi a olhar não só para o fixo do horizonte, mas para os lados. Tem sempre alguém necessitando de certa ajuda e muitas vezes não demonstra. Mas um dia, não irá suportar. Somos aquilo que fingimos ser e não aquilo que somos realmente, pois sempre escondemos algo a nosso respeito, por medo ou por vergonha. Os homens são o que sentem e nem sempre aquilo que mostram ser.
Irei voltar àquele banco, àquela tarde... porém não quero voltar com aquela dor.

Crônicas de mesa de bar

Todo dia sobrevivemos a morte de nós mesmos. Acordamos, despertamos, nascemos para outra vida que nos é dada (mais conhecida como renovada) todos os dias.
O ontem é ontem e o hoje é o agora. Com isso, vamos a "cova" da nossa alma antes de dormir e enquanto dormimos, estamos sendo gerados para um novo parto no dia seguinte. O amanhecer.
As pessoas nunca são as mesmas, como aquela mesma conversa de tia que mora longe e te vê magrinho(a) e diz "Nossa, mas quando eu te vi pela última vez, eras mais gorducho. Ô fulana, esse menino não está magro demais não?" porém não enxergam o interior. Há um limite nos olhos de cada um e em suas cabeças também, fazendo-os enxergar muitas vezes apenas o físico e esquecem-se de que não é só de carne que é feito o homem, mas sim de alma e espírito também.
Sofremos todos os dias com a morte de cada coisa, com aquela constância nas partidas, nas despedidas, no "adeus" mal-dado, no "tchau" cheio de orgulho, no último abraço e último beijo. Essa morte constante das coisas, como já dizia o grande Abreu, é o que mais dói. Porém, como diz um grande camarada meu, aprendemos muitas vezes pela dor e um dia, quando estivermos lá na frente da nossa estrada, iremos agradecer um dia ter passado pela perda, porque aprenderemos a ganhar. Toda perda é uma ganha. Seja lá do que for, eu também não entendo muito de paradoxos, mas deve ter algum certo tipo de coerência no que essas pessoas falam.
A morte não necessariamente precisa ser física. Contudo, suportamos o luto todos os dias. Todos os dias suportamos a perda de nós mesmos para dar espaço a uma outra pessoa surgir nesse lugar. O que uns chamam de crescer, pode ser chamado de morrer todos os dias um pouquinho.
A mudança é um certo tipo de despedida também e temos que conviver com este fato. Estamos sempre em processo de mudança, pode não ser de lugares e nem precise de caminhão para levar os móveis. Pode ser de roupas, namorados, amores, paixões, gostos ou até de nós mesmos. Não choramos por mudarmos. E engraçado, é um tipo de "perda". Mas para nós, esta perda torna-se algo em que ganhamos. Viu, o paradoxo aí.
Para ter a certeza de que a mutação é cotidiana, um exemplo bem breve: ontem estive com vontade de me jogar na frente do primeiro carro que passasse, ou algo até mais simples como ligar o gás. E hoje respirei fundo, peguei esse resto de papel, uma caneta e decidi anotar as coisas engraçadas da vida. Como esta, por exemplo. A mudança de cada dia.
Assim como os ciganos, animais, carros de mudanças e mambembes, eu também não suporto viver na inércia. Com isso, tento fazer com que eu mesma aceite a partida como algo natural, mesmo sendo algo totalmente oposto para mim. Não posso dizer que quando alguém despede-se de mim, ou simplesmente perde-se do meu caminho, fico razoável. Porém nada posso fazer para esta ficar, senão aceitar o fato de que, tudo passa, tudo muda, tudo transforma-se. Nenhuma pessoa fica para sempre na sua vida, só sua família. E ainda assim há casos de perda. Agora pude entender a filosofia do homem no qual não me recordo o nome, que diz mais ou menos assim "Tudo é água" porque tudo passa, nada é parado. Tudo muda, as águas dos rios mudam. Por isso, nada mais justo que sermos comparados a um rio. As águas renovam-se e onde este rio desagua... não cabe a nós saber. Só Deus.