domingo, 14 de março de 2010

Devolva-me


Passaram-se dois meses. Dois meses levantando-se e dormindo, como se nada mudasse. Realmente, nada mudou. Os dias apenas movimentaram-se, as noites caíram, o sol subiu, fez chuva, fez sol e, aquele teu jardim no qual plantavas a melhor das rosas, ressecou. Durante dois meses rasguei todas tuas cartas, quebrei todos teus discos, cortei todas tuas blusas, joguei fora teus perfumes, teus lençóis, teus beijos, teus abraços. Fiz uma reforma em nosso apartamento, quer dizer, meu agora. É tão estranho falar "eu" ou apenas "meu" pra quem só dizia "nosso" ou "nós". Aquela parede amarela, pintei de vermelho, tirei a cama de casal e dei para aquele vizinho no qual detestavas. Sim, tudo o que odiavas eu passei a amar. Passei a freqüentar aquele Piano Bar, onde tu falavas que só tinha velhos. Passei a viver mais para dentro em vez para fora. Passei a me acostumar a me arrumar sozinha, diante do espelho, sem ter aquela segunda pessoa atrás de mim perturbando-me dizendo que era para eu largar tudo e ficar contigo naquele sofá que, inclusive, o vendi. Pelo preço mais miserável, mas vendi. Venderia até por um real. Incrível como tu cravaste ali, teu cheiro. Ao fechar meus olhos eu ainda podia sentir teu hálito de hortelã falando ao meu ouvido. Coloquei três relógios em casa, comprei 2 cachorros, 1 peixe, 2 passarinhos e uma tartaruga. Estava tudo muito vazio. Muito sem cor. Muito sem vida. Eu mesma quem fiz a pintura das paredes, viu, reclamavas tanto de que eu era baixinha ou muito fraca para pintar todas aquelas paredes e precisaria de ti para fazer isto. Mas a verdade é que não quero mais precisar de ninguém. Posso demorar o tempo que for da minha maneira, mas será minha maneira. Quero ser mais eu-comigo-mesma do que eu-com-alguém. Nunca precisei de ninguém para ser completa. Nunca precisei de ninguém fazendo-me o café da manhã, nunca precisei de ninguém dizendo o que devo ou não fazer, eu faço. É incrível como mesmo dizendo que nunca-precisei-de-alguém, eu preciso. Joguei fora tua rede verde abacate. Por qual motivo eu manteria qualquer indício teu? Assim como espero que aqueles meus versos no qual eu lhe entreguei, sim, aqueles mesmo, naquela manhã de sábado, rasgue. Por favor, rasgue-os, queime-os, faça o que quiser, mas faça alguma coisa. E ao passar por mim na rua, e eu por ti, fingiremos ser um rosto desconhecido um para o outro, um rosto desconhecido no qual dormimos em uma noite utópica. E devagar nossas faces vão confundindo-se com as outras e, tornamo-nos figurante da nossa própria história inacabada ou nunca começada.

Um comentário:

  1. Esse texto, está MARAVILHOSO, você escreve muuuuuito bem, conseguiu transmitir tudo o que eu já senti, parabéns cabs ! =)

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