terça-feira, 16 de março de 2010

Anônimo


Era uma tarde de exposição artística do pintor Salvador Dali. Não achava-se muito adequada para o lugar.
Era como se ela sentisse a arte em suas veias, pulando, pulsando sangue para todo o corpo. Como se de algum jeito, ela e a arte, seja lá qual for a forma de arte, fossem traçadas, algo que ela conseguisse se achar, entre tantas pessoas e opções, entre tantos amores e desamores, entre tantas idas e vindas, a arte a conseguisse preencher melhor, até aquele momento.
Andava por todo o salão, parando nas mais famosas obras e analisando cada traço, cada mistura, cada espessura de tinta em tela. Foi quando, diante da mais famosa e conhecida obra do autor "A persistência da Memória" percebeu-se que não estava sozinha. Continuou com os olhos fixos à distância, neste momento não estava mais olhando para nenhuma obra mas sim para dentro de si mesma. Percebeu então, que foi interrompida com um toque em suas mãos de surpresa, e virando-se deparou-se com um rapaz no qual não parecia estranho, não para ela. Ele ainda não encarando-a, continuou com seus olhos postos nos quadros ao seu redor e, sutilmente explicou-a como quem não quer nada, a história da obra que a viu olhando. Sem entender, continuou olhando-o e soltou uma risada docemente para si mesma, como se fosse escapada. Foi quando o rapaz olhou-a diretamente em teus olhos profundos onde revelam-o tanta dor ao mesmo tempo tanto amor, tanta paz e tantos naufrágios, tantas palavras congestionadas nunca ditas e tanto silêncio e singularidade.
- Vamos comer alguma coisa, me pareces faminta. Disse ele conduzindo-a levemente pela mão em direção à um dos restaurantes que lá encontravam-se. Ela sentou-se de frente para ele, não parando de o olhar uma só vez, tentando desvendar ali, o mistério que este implantou em sua mente. Disfarçou pegando o cardápio e escolhendo o que queria comer. - Vai comer nada? Perguntou-o incrédula. - Uma coca-cola, apenas.
Enquanto esperavam o pedido chegar, ficaram se olhando durante um bom tempo, como se as palavras fossem desnecessárias naquele momento e, apenas pelo gesto de olharem-se, conseguissem se comunicar sem mexer a boca. O silêncio foi quebrado com a chegada da comida. Ajustou o guardanapo em suas pernas e pegou o garfo para começar a comer, enquanto ele a observava tomando sua coca. Ela deu um sorriso enquanto comia. - O que? O perguntou já ficando chateada. Ele deu uma gargalhada gostosa e, deixando seu copo vagarosamente na ponta da mesa a respondeu: - Gosto do jeito como limpas a sua boca. Um enorme silêncio agora quebrado com palavras de um cara no qual esta nunca tinha visto em toda sua vida, porém como se este, fosse de um jeito ou de outro, teu.
- Teus olhos me lembram montes, alguns tipos de cordilheiras, o mel das flores, campos de morangos. Estes me falam de coisas nas quais eu já escutei, em algum lugar, em algum momento...
- Teus lábios me fazem sentir, mesmo sem tocar-te, saudades de algo que eu deixei no passado, em um passado distante, como se, alguma coisa me impulsionasse a vir aqui nesta exposição e, te puxar para perto de mim como se já estivesses distante o suficiente todo esse tempo, mas esse tempo no qual eu não calculei, pois começa do infinito e acaba neste próprio.
- De onde eu te conheci? Me dás uma leve impressão de que já o amei, ou ainda o amo, e como se o tempo me trouxesse de volta um amor no qual nunca tive e, sim, todas as minhas tentativas em vão de me aproximar de alguém e não conseguir, foram de certo modo, porque tu já estavas em meu caminho, de um jeito ou de outro, ias me aparecer e pegar em minha mão e então, agora, neste exato momento, o longe se fez perto, tão perto que posso escutar a batida do teu coração que eu nem sabia que tinhas. Porque eu não sabia que existias...
- Algumas pessoas se conhecem desde sempre.
(Silêncio)
- Casa comigo.
- Caso.






"E Deus escrevendo certo pelas nossas linhas tortas que, se não fossem tão tortas, não teriam se cruzado."

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