domingo, 18 de abril de 2010

- Mãe - Ele começou. A voz tremia. - Mãe, é tão difícil - Repetiu.


Escrevo-te para dizer que meus dias ultimamente andam muito ímpar, mãe. É difícil demais, eu tenho medo de ter desaprendido o jeito de viver, está sendo duro, está sendo cruel, está sendo resumidamente, difícil demais! É duro acordar todos os dias e tentar arrancar algo, nem que seja uma gota, meia gota, para mim serve até metade de uma gota, para continuar o dia. O cotidiano está me corroendo os ossos e eu acho que meu organismo está com falta de cálcio. Eu sei, a senhora sempre me pedia para alimentar-me direito, fazer as dietas, olhar os lipídios, exames de sangue todo mês, eu sei, eu sei. Mentira, eu não sei. Estou sempre dando uma de saber-tudo quando na verdade sei nem porque meu nome é meu nome, ou talvez nem mesmo o porque que fui parar aqui. Logo aqui. Sinto tua falta, minha mãe. E pai, como está? Diz a ele que estou bem, aos trancos e barrancos, mas muito bem. Afinal, viver é assim, certo? Como sempre me diziam, iremos encontrar vários caminhos ao longo dos nossos dias, ao longo da nossa jornada que pode ser pequena ou curta, mas de algum modo irá marcar a nossa vida. Mas o que esquecemos é que, como diz aquele autor que a senhora me chamava de louca por gostar, Caio Fernando Abreu, não há caminhos a serem procurados fora de nós, eles são dentro e não fora. Ora mãe, não te enganes, odeio quando te enganas assim, tão inconsciente.
Estou enfrentando minhas próprias tormentas, tempestades, chuvas de verão e aquilo tudo mais que estudei em geografia, acho que finalmente agora entenderei o porque de tantos climas e massas de ar. Eu sei que nunca fomos muito de conversar, e a senhora sempre me chamava de fechada ou que eu não gostava de ti, pois eu nunca chegava para conversar contigo, mas mãe, tu não sabes a falta que me faz até mesmo o nosso silêncio, sentadas naquele sofá bege de frente para televisão, sem nenhuma de nós dar uma palavra sequer. Mas o silêncio muitas vezes faz mais falta do que uma conversa, entenda-me! Mas arrependo-me de ter tido a oportunidade de contar-te tantos planos que eu projetava em minha mente, que quebrava minha cabeça tentando contar para alguém que dissesse que eu não era louca, e eu sempre me decepcionava! Sempre. É uma coisa histórica já, as pessoas nos decepcionam todos os dias. Eu achava que...na verdade eu não achava nada mãe, eu tinha vergonha, medo, sei lá o que estava dentro de mim. Eu era jovem, inconseqüente, não sabia que a verdadeira opinião que conta para mim, a primeira sempre será de Deus e a segunda tua e de pai. Não era para eu ter confiado tão severamente nas pessoas nas quais me rodeavam, a maioria delas só querem puxar nosso tapete ou nos despertar do nosso sonho, tão brutalmente. Elas não possuem sensibilidade, isso me assusta tanto. Ainda sou aquela criança na qual tu criaste, que tem medo do escuro, que não gosta de ficar sozinha em casa, que não dorme sem cobertor, e que ainda todos os dias pela noite, espero pelo beijo teu e de papai, mesmo sabendo que ambos não irão me dar. Mas eu espero.
Sabe mãe, passamos por tanta coisa, e nunca perdemos a nossa fé. Isso é tão bonito, é algo tão grande que para muitos parece ser nada, mas não ligue para eles. Eles sabem de nada. Aprendemos tanto uma com a outra, nós três naqueles momentos duros nos quais olhávamos para o céu e achávamos que não tinha mais solução, que era aquilo e acabou. Mas Deus nunca nos desamparou, e eis que estamos aqui. Todos nós. Juntos. De novo. E eis que ambos seguiram os caminhos que eram para seguir-se, e provavelmente deves estar chorando que nem uma criança aí lendo essa minha carta que mando-te de tão longe, mas de onde exatamente a uns 5 anos, era onde eu mais queria estar. Não chores. Guarde tuas lágrimas que são preciosas. Eu estou bem, estou viva. Sobrevivo. Ainda ando com aquela fé que aprendemos a ter. Mas diga-me, como anda pai? Mande um beijo enorme para ele e diga-o que lembro dele todo domingo chuvoso no qual aqui acordo. Diga-o também que ainda escuto Roberto Carlos, não iria me esquecer deste nem tão cedo, certo? E quanto a minha irmã, fiques tranquila, encontrei com ela a uns dias atrás, e o sorriso dela está que me dá gosto de ver! Quem diria né, mamãe?
Mas tem umas coisas que eu queria lhe dizer, antes que acabe a tinta nessa máquina antiga de escrever no qual uma colega de quarto emprestou-me, não me pergunte o porque estou escrevendo nela, eu estava querendo guardar ainda o gosto das coisas antigas, entendes? Ninguém dá mais tanto valor a estas, mesmo estas sendo tão mais lindas e findas do que a tecnologia moderna, na qual ainda sou uma verdadeira iniciante, desde dos meus tempos de ginásio. Mas continuando... me sinto tão só, tão só, que me dói só de pensar na solidão na qual estou sentindo esses dias. Digo fisicamente, sabes? Aí, agora lembrei-me de um episódio, quando eu estava na quarta série, tu me dizias que eu não tinha muitos amigos, que eu era muito só, e eu ficava com uma raiva tão grande de ti, mãe, que minha vontade era juntar todos os meus trapos e brinquedos, fazer uma pequena mala e ir embora lá de casa, essas coisas de crianças que assistiam muita SBT, esse domínio da mídia sempre muito forte, não é. Mas sabes, agora te dou total razão. Não sou de muitos amigos, são pouquíssimos os verdadeiros. Porém mãe, tenho para mim que o problema não está nas pessoas, mas sim em mim. Nunca fui ligeiramente igual a ninguém e sempre me martelava perguntando-me o porque eu tinha nascido daquele jeito, claro, que para uns eu era uma guria como qualquer outra guria, mas comigo não era assim. Eu assistia as pessoas e pensava tão diferente, que, naquela época eu ainda não sabia lidar com aquilo, e nisso eu acabava brigando, tem coisa mais egoísta? Mas ao crescer, aprendemos um pouco. Não sinto-me atraída por nada, incrível isso mãe! Só por aquelas coisas que eu sempre fui, na minha época de transição, acrescentada com umas coisas a mais de agora que eu fui descobrindo. Quanto ao coração? Um cactus. Não importo-me mais. Pelo menos ele ainda funciona, que eu diga, ainda faz o meu sangue circular pelo meu corpo inteiro. Quem sabe alguém que seja tão alguém para fazer ele ter mais alguma outra função além da biológica. Por favor, não te preocupes comigo. Eu ficarei bem. Aquela menina na qual tu cuidaste a vida inteira, não irá decepcionar-te, isso é a ultima coisa que eu quero. Ou nem ultima. Ainda tenho esperanças quanto essa coisa aí de amor, tu sempre me dizias para parar de me colocar para baixo, e é isto que ando fazendo, não sou tão repulsiva assim, como diz naquele filme lá, que tem um bom tempo que não assisto, Amélie Poulain, até alcachofras têm coração. Mas ainda sou nova demais, mãe, para minha vida. Há coisas que eu nem imagino o que são, que irão vir à tona, e nisto quem sabe me trará algumas surpresas? Vivo cada dia com uma certeza de que não será atoa o levantar da cama, temos que fazer todos os dias de nossas vidas valerem a pena. Inclusive o seu. Estou programando uma viagem para ti e para papai, os dois juntos, quem sabe uma outra lua-de-mel? Aguardem e eu darei notícias. Mas é assim mesmo mãe, estou te contando coisas que tiveram raíz na época em que eu ainda gostava de bandas mexicanas. Coisas que ficaram guardadas comigo, e que eu nunca tive coragem de contar para ninguém. Nem mesmo para ti. Agora que vejo que sempre tive uma melhor amiga todo esse tempo e nunca vi. Bem que tu dizias, "melhores amigos são seus pais", direi isso aos meus filhos. Queria tanto mãe, tanto, poder deitar no teu colo e chorar como uma criança que chora por estar com fome, e tu me preparares aquela comida que só tu sabes fazer, e gastar nossos tempos jogando UNO, ou cartas, fazendo "adedonha", que falta me faz teus cuidados! Que falta faz o meu pai, dando-me dicas do que poderei encontrar no futuro, pois ninguém sabe do futuro, só Deus. E sem contar dos nossos domingos sentados naquela mesa, tomando café-da-manhã, que era mais café-da-tarde, pois terminava as 13:00hrs, e tu ficavas toda brava com papai, e ele sempre tentando acalmar-te. Saudades do vô e da vó, como eles estão? Ai, que saudades dos meus velhos. Falta faz-me pedir dinheiro a eles todo fim de semana para comprar balas, ou chorar por causa de um brinquedo que todos-tinham-menos-eu. E meu quarto? Ah, se tiveres tempo dá uma passeada nele, guarda tantas lembranças aquele cômodo. Tantos papéis velhos, palavras nunca ditas, choros, lágrimas, risos, sorrisos... Saudade de no meio da noite ir dormir no meio de ti e de pai, com medo. E poder acordar e ver os dois bem ali ao meu lado. É difícil demais mãe, eu não sabia que era tão difícil assim viver. Dói como uma facada no estômago nunca retirada. Que lateja dia e noite.
Quanto ao dinheiro, estou aprendendo a me virar, uns bicos aqui outros ali, a faculdade toma-me tempo completo. Aqueles trabalhos que Camila fazia sabes? De madrugada, agora sou eu. As vezes falta dinheiro, mas Deus sempre supre-me. Coisa maravilhosa ter um Papai do céu. Com ele não sinto-me abandonada. Nunca.
Agora eu sei o que sentias, quando a senhora dizia que naquele mês o dinheiro estava contado, nem mais nem menos. Aquilo era um corte no meu coração, pois eu era sempre muito consumista, tu me dizias isso todos os dias. Mas agora estou sendo mais...digamos... consciente. Dinheiro não é tudo. Nunca foi. Claro, para algumas coisas, conforto, lazer, algo que pode proporcionar a felicidade. Mas em si, a felicidade podes tu mesmo proporcionar, se já tiveres esta plantada dentro de ti, e regá-la todos os dias. As vezes ela murcha sabes, pelo menos dentro de mim, dias que estou viva por estar. Sem nenhum sentido. Sem nada. Mas acostumo-me, pois nem é de pão e vinho que vive-se um homem, certo?
Mas agora me despeço de ti. Se sentires falta de mim, procure-me em qualquer confusão, estou dentro de cada coisa lembrada da tua mente, mãe. Não te afobes, como diz o Chico, nada é para já. Um dia vejo se faço uma surpresa para vocês. Enquanto isso, escreverei todos os dias, para contar cada passo meu por aqui. Obrigada pelo carinho, e pela atenção. Guardo vocês comigo, espero que vocês guardem-me por aí também, não esqueçam de mim, imploro. Obrigada por ter cuidado todo esse tempo de mim, e pelas noites em claro por conta das minhas gripes e doenças. Meu sistema imunológico sempre muito baixo, irei me cuidar direitinho. Prometo-te. Mande-me notícias se puderes.
E para ti, deixo um forte abraço e um beijo demorado. Manda para pai também. Diz que estou com saudades, morrendo de saudades, melhor. Um dia iremos nos assentar naquela mesa novamente e conversar até o fim raiar. Como nos tempos antigos.
Te beijo. Te abraço. E te amo.
Um grande beijo,
da tua filha, Carolina M.

P.s.: Está na hora de fazeres algo por si mesma, mãe! Chega de esperar por algo. Faça acontecer. Torço por ti.

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